Quando você coloca um link no seu blog para um site ou blog de um amigo, talvez você não saiba, mas está fazendo uma recomendação. Mecanismos de busca encaram este link como um “voto” pela relevância do conteúdo do blog do seu amigo. Afinal, se o tal blog tem vários links apontando para ele, deve ter um conteúdo interessante, assim “pensa” o mecanismo de busca.
O mesmo ocorre quando você lê uma notícia na web e é chamado a dar uma nota de zero a dez, ou “dizer” se gostou ou não. Os sites usam este recurso para avaliar seu próprio conteúdo, principalmente quando este é postado pelo público. Consegue assim, colocar seu conteúdo numa escala de relevância e oferecer apenas os itens mais interessantes.
As recomendações são um recurso muito popular nos sites web 2.0 e têm alguns propósitos. Primeiro, o de fazer emergir a sabedoria das multidões de James Surowiecki ou a inteligência coletiva de Pierre Lévy. Isto é, fazer vir à tona um conhecimento que está pulverizado na multidão.
Se cada um der o seu voto, o site saberá a importância que o tal artigo, vídeo ou post tem para esta mesma multidão.
Organizando conteúdo gerado pelos usuários
Em segundo lugar, vamos nos colocar no lugar de quem tem a tarefa de organizar um conteúdo gerado pelos usuários.
Como saber se os posts dos últimos 10 minutos são relevantes? Teríamos que contratar dezenas (ou centenas, milhares) de pessoas para ler os posts, assistir aos vídeos e classificar estes conteúdos. Bem, se o público pode dar a sua opinião, por que não contar com ele para a tarefa? Quando você dá a sua opinião em relação a um conteúdo está, queira ou não, “trabalhando” para os editores do site. Está ajudando o site a públicar um conteúdo melhor e mais popular. Está ajudando a comunidade que publica ali. Em última análise, está ajudando a si mesmo, já que também é leitor do mesmo site.
Onde está o problema então?
Quem tem medo das recomendações?
Recomendações são usadas em um sem-número de sites, incluindo o seu buscador preferido. Através delas jornais online organizam a prioridade de suas notícias: as mais votadas ganham as ?primeiras páginas?… as menos ficam, talvez para sempre, no miolo recôndito de um site com milhares de outras notícias.
A respeito das possíveis conseqüências do uso dessas recomendações, gostaria de fazer duas observações.
A primeira é a de que este procedimento pode estabelecer, dependendo do modo como é implementado, um sistema de retro-alimentação. Se uma notícia ganha a primeira página, ela será vista mais vezes e, conseqüentemente, terá mais chances de ser bem votada e continuar na primeira página.
O oposto se dá com as notícias que caem no “miolo” do site: menos visibilidade, menos votos… quando percebem, encarnam Edmond Dantès no Castelo de If: calabouço eterno. As notícias mais populares, nesse contexto, se comportam como ditadores sulamericanos que teimam em não abandonar o poder. Só que, nesse caso, curiosamente, através do voto…
Essa tendência, penso, não é das melhores coisas que podem acontecer a um site divulgador de notícias.
A segunda observação é que o uso de recomendações pode se dar em função de vários motivos. Os sites, como se sabe, têm donos. Acredito, sinceramente, que a motivação que fez alguns deles optarem por mecanismos de recomendações seja das mais nobres: oferecer uma maior liberdade aos usuários, dar voz à massa de usuários anteriormente muda, ou uma vontade legítima de estar em sintonia com o espírito de seu tempo. Este espírito existe, e estou consciente disso.
Mas há uma outra hipótese. E ela indica a possibilidade de que esta classificação por meio de recomendações esteja lá simplesmente a serviço da audiência. Afinal, se um site, em virtude de sua natureza interativa, consegue apurar junto ao seu público o que ele quer ver, ler ou ouvir… por que não colocar este conteúdo à sua disposição? Dar ao povo o que o povo quer… Este é o sonho de quase todo diretor de programação de canal televisivo: disponibilizar para o público o que ele quer, uma espécie de ibope instantâneo e infalível. O resultado disso: audiência, ou seja, mais receita, anunciantes, links patrocinados, etc.
Não tenho absolutamente nada contra os modelos de negócios desses sites: eles têm que sobreviver, e fazem muito malabarismo oferecendo muito em troca de quase nada. Mas é fundamental perceber que oferecer-ao-usuário-o-que-ele-quer pode ser uma estratégia que nada tem de altruísta ou desinteressada. Pois junto com a audiência, algumas vezes, vai também o predomínio de um conteúdo superficial, vazio, repetitivo. Exatamente como acontece com a TV. Por que será que (quase) todos os programas vespertinos de TV do domingo são o que são? Eles dão ao público o que ele quer… Por que os vídeos mais vistos do YouTube são o do gatinho engraçado e o do ator que comete uma gafe? Enfim, a banalização do conteúdo é sempre um risco. O problema é que os mecanismos de recomendação às vezes podem favorecê-los e criar um círculo vicioso de conteúdo superficial e banal.
Quero aproveitar para dizer que sou um entusiasta da web 2.0, da folksonomia, e dos sites que usam recomendações como índice de organização de seu conteúdo. Acho ótimo que tenhamos ferramentas que permitem dar voz aos usuários e deixar emergir padrões de informação dentro dos sistemas que as abrigam.
Ao mesmo tempo, isso não quer dizer que eu ache que esses mecanismos funcionem sempre.
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